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Algarismos

Algarismos

A composição da palavra “Al-garismo” poderia servir como um bom indicador da sua proveniência. Porém, a generalidade das pessoas não faz ideia que os números que usamos são de origem Hindu-Árabe, e que o seu uso é bastante recente.

O primeiro registo cientificamente datado da origem dos algarismos que usamos, são dos “Numerais Bramis”, originários da Índia no século III a.c.1. Neste sistema decimal, havia nove algarismos para as unidades e símbolos específicos para as dezenas, centenas, milhares, etc.. Este influente sistema motivou o aparecimento de sistemas de notação posicional2 de base 10 pela Índia. Esses sistemas mantiveram essa fórmula até que surge um desenvolvimento fundamental; o zero. Com o uso do zero, os símbolos específicos foram descartados, simplificando a notação e acima de tudo, facilitando os cálculos. A data mais antiga que se conhece do uso do zero, surge no documento conhecido como “Manuscrito Bakhashali”, cuja datação por Carbono revela que foi criado algures entre o século III e o IV.


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Nos séculos seguintes, esta forma de registo numérico expandiu-se via mundo islâmico, até chegar ao Norte de África, por volta do século VII. Algures no século IX, surgem dois trabalhos de matemáticos árabes: Alcindi e Al-Khwarizmi. O livro “A respeito dos cálculos com os números da Índia" de Al-Khwarizmi foi o primeiro documento escrito sobre o tema, fundamental para a adopção do sistema numérico actual. De tal forma que o nome Al-Khwarizmi se converteu na palavra Algarismo (evoluiu como algorismus, algorithmus e finalmente “algarismo”).

Apesar do o uso do sistema numérico árabe na Europa via Al-Andalus, nome árabe da península ibérica, e das ações do Papa Silvestre II (950–1003), no início do século XI, onde tentou difundir o sistema3, este não teve grande expressão no resto do continente europeu, mantendo-se a norma de uso da notação numérica romana.

O papel fundamental na promoção e divulgação dos algarismos foi do matemático Leonardo Fibonacci (1170–1250), mais famoso pela descrição da famosa “sequência Fibonacci”4. Na sua importante obra Liber Abaci5 escrita em 1202, Fibonacci explorava diversas questões matemáticas e demonstrava a forma mais intuitiva, simples e prática para fazer cálculos usando os algarismos Árabes com o zero; contabilidade, medidas, taxas, percentagens entre múltiplas outras aplicações.

Apesar das melhorias óbvias do uso dos algarismos com o zero, a sua adopção total na Europa demorou cerca de 5 séculos6. A grande questão era o zero. Apesar do conceito ser transmitido, havia um desconhecimento muito grande das operações de cálculo com o 0, que tornava difícil a compreensão do seu imenso potencial. Para agravar a questão e dificultar a sua adopção, a poderosa Igreja Católica tinha um preconceito dogmático com o zero, agravado na contra-reforma e implementação da inquisição no início do século XVI: como este algarismo admitia a existência do nada, representava o vazio, conceito que eles julgavam em confronto com a crença e até como negação da existência de Deus. Como tal, o uso do sistema actual com o zero, variando por local, demorou até por volta do século XVIII, aproximadamente no período iluminista, altura em que se criou o conceito de separação entre estado e igreja. Com o afastamento das questões dogmáticas, aceitação de ideias como o progresso, tolerância e liberdade, assim como o interesse e desenvolvimento da ciência, os algarismos com o zero passaram a ser a norma.


Notas

1Julga-se que a origem da notação numérica é tão remota como a escrita cuneiforme da Mesopotâmia (1600 AC), de base 60, onde a forma de notação obrigava à introdução de espaços vazios que evoluíram para um ponto. Também há registos Maias e Chineses da representação do vazio em séculos posteriores e que usavam outro tipo de sinais para o vazio.

2Sistema numérico em que o valor de cada algarismo depende da posição que ocupa.

3 A primeira menção destes números datavam de 976 no Codex Virgilianus.

4 Sequência progressiva de números inteiros, em que o número subsequente é igual à soma dos dois anteriores.

5 Livro do Ábaco ou Livro de Cálculo.

6Apesar da invenção da imprensa, em 1450 ter dado grande impulso à disseminação do sistema.


Referências

Livro:
Zero - A Biografia de uma Ideia Perigosa
Seife, Charles
Gradiva, 2001 (ISBN: 9789726627890)

Links:

https://www.passaronoombro.com/ciencia/zero-o-ultimo-algarismo-a-ser-criado/

https://www.infopedia.pt/$leonardo-fibonacci

https://curiosamente.diariodepernambuco.com.br/project/manuscrito-do-seculo-3-muda-origem-do-numero-zero/

https://www.obaricentrodamente.com/2012/08/a-historia-do-numero-zero.html


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