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A verde rubra

Como os Marketers nos seduzem - Branding

Parte 2: Compra premeditada

Há algum tempo, surgiu um mito urbano, segundo o qual, alegadamente, havia marcas que pagavam a quem quisesse tatuar no seu corpo o seu logotipo. Conforme a área do corpo, assim o valor que seria pago. Como é óbvio, alguém que tatuasse na testa uma determinada marca, teria uma melhor remuneração do que quem escolhesse uma zona coberta do corpo. Ainda que fosse realidade, as marcas e os marketers não têm grande interesse em imprimir a sua imagem no nosso corpo; preferem fazê-lo na nossa mente. É o que procuram fazer incessantemente, e da forma mais indelével possível. Para tal, usam a recolha de informações sobre comportamentos de consumo, que cruzam com os mais recentes conhecimentos sobre psicologia cognitiva e neurociência para que em conjunto, sejam arquitectados sofisticados esquemas de sedução e persuasão.

Em suma, quando necessitamos de um produto ou serviço, a nossa decisão é condicionada pelo branding; que lhe é associado, ainda que racionalmente não tenhamos essa noção. Da variedade de marcas disponíveis, optamos pela que nos conseguir transmitir as sensações mais intensas. Quer seja maior "confiança", "notoriedade" ou quaisquer outros conceitos a que a marca tenha sido capaz de se associar.

Para desenvolver esta avidez, as marcas têm vindo a sofisticar-se, e os dados que recolhem, compilam e analisam são cada vez mais elaborados. O rasto de informação que vamos deixando é cada vez mais explícito e absolutamente crucial. Quer seja no que vamos colocando nas redes sociais, quer seja através da recolha de informações do que pagamos com um cartão bancário, quer seja através do que preferimos comprar e que fica registado nos nossos inúmeros cartões de fidelização. Cada vez há um maior e mais rico número de dados passível de ser analisado e estudado, que permite às marcas traçar um retracto fiel do consumidor. E algumas marcas conhecem-nos melhor do que nós próprios. Sabem o que compramos, quando compramos, quanto gastamos, o que possibilita presumir, entre muitos outros dados, a nossa condição, classe social e até o nosso estado físico e emocional. Através disso sabem o nos faz mexer, o que nos motiva, o que nos emociona e o que nos apavora. Conhecem os nossos sonhos, vulnerabilidades e desejos.

Até aqui já seria suficientemente sinistro, mas o uso e aplicação destes dados em estratégias de marcas vai muito mais além. A comunicação que é criada à volta das marcas tende a fazer-nos crer que se não tivermos determinado produto ou serviço estamos "fora", "desactualizados, “sós” ou até que somos estúpidos.

Como a zona do nosso cérebro mais reactiva, mais emocional e instintiva é o nosso cérebro reptiliano, a comunicação tende a apontar nesse sentido. São especialmente persuasivas todas as estratégias de comunicação que demonstrem o medo e a culpa através das nossas inseguranças, tudo o que facilite a nossa aceitação social e territorial e claro, o sexo.

São particularmente vulneráveis as pessoas que tiverem predisposição para compras compulsivas ou outras desordens emocionais, ou aquelas que necessitam de substituir valores morais por bens físicos. Em muitos casos estas necessidades resultam em comportamentos bizarros de fanatismo e obsessão por determinadas marcas, que basicamente é o “sonho molhado” de qualquer marketer. A separação entre adição e obsessão é muito estreita e as marcas fazem o possível para a diminuir.

As estratégias que usam para as induções de obsessão podem ser de ordem emocional ou física (por exemplo no caso do tabaco ou algumas tipos de bens alimentares). Aparentemente, a maneira como ficamos viciados nas marcas funciona em dois estágios:

  • fase da rotina: uso de determinada marca por hábito. Compramos marcas que tipicamente usamos. Geralmente, coisas que usamos para o dia-a-dia.
  • fase do sonho: fase de indulgência. Quando estamos mais relaxados, no fim de semana ou de férias, tendemos a comprar coisas por questões emocionais, sem necessidade absoluta de as possuir. Quer seja uma bebida que habitualmente não bebemos, uma peça de roupa, um produto para o corpo ou outra coisa que nos faça sentir bem connosco. Como esta acção nos proporciona prazer, progressivamente vamos começando a integrar esta marca na fase de rotina, passando a ser habitual. É o mesmo processo do vício: a procura constante da sensação prazerosa inicial. Por exemplo, todos conhecemos a omnipresença de determinadas marcas, patrocinadoras de festivais de música ou de outras alturas de festa e descontracção.

De forma transversal a estas fases, temos outros momentos, pontuais, que as marcas adoram explorar. Quantas vezes, no meio de um dia de trabalho, ou à noite, de repente, nos dá um súbito apetite, por "algo". Uma bebida, um snack? Estes momentos são conhecidos como de "desejo" ou “ânsia” súbitos. Para colar determinada marca na nossa mente quando nos dá “a ânsia”, são usadas as estratégias mais elaboradas que se possa imaginar.

Por muito que julguemos que estamos em controlo, o facto é que estes desejos são despoletados por factores físicos e/ou emocionais, e como tal, as marcas ambicionam e procuram incessantemente como podem despoletar ou manipular estes gatilhos emocionais. Por exemplo nos refrigerantes, as bolhinhas na embalagem são presença constante, pois automaticamente associamo-las a frescura e sabor, o que ajuda a activar esse “desejo”. Qualquer refrigerante digno desse nome não as dispensa, e inclusivamente a forma, quantidade e apresentação destas embalagens são segredos bem guardados. Aliás, todos as cores, símbolos e imagens nas embalagens são factores decisivos, quer nos refrigerantes, quer na generalidade dos produtos. Não só os estímulos visuais são relevantes, como podem ainda ter associados estímulos auditivos. Aparentemente, somos capazes de identificar o som da abertura do nosso refrigerante preferido… Se a isto adicionarmos factores físicos, como a adição de açúcar ou sal (já para não falar do tabaco), vários dos nossos sentidos são estimulados, reforçando este “desejo” recorrente, que facilmente associamos a determinada marca, levando-nos a essa pausa para a desejada sensação de reconforto.

Apesar do perfil do consumidor ter mudado substancialmente, as marcas de produtos tradicionais tem vantagens reforçadas pela sua antiguidade, desde que tenham acompanhado a mudanca, e em virtude disso, sobrevivido. O factor de rotina é estabelecido através do hábito do uso de muitas das coisas que conhecemos e a que nos habituámos. Seja uma pasta de dentes, uma bebida, detergentes ou brinquedos que compramos para os nossos filhos, que são os que conhecemos e que nos habituámos a usar na nossa infância. Para quebrar este ciclo, novas marcas, ou marcas que se necessitem de se reinventar, usam várias ferramentas para nos demonstrar que algumas das coisas que usamos são "perigosas", "ineficazes", "sem sentido", entre outros epítetos. Por exemplo, o sabão. Quantas pessoas continuam a usar sabão? Quer seja para lavar as mãos, quer seja para o banho? Poucas certamente. Fizeram-nos crer que o sabão era um produto que, por ser potencialmente partilhado, tinha germes (medo – tendência do ser humano, em maior ou menor grau, para a germofobia), era difícil de usar (esforço), sujava tudo (culpa) e além disso, escorregadio (ineficácia), em suma; eramos estúpidos em continuar a usar tal coisa. Apresentaram-nos o gel, mais prático, e claro, mais caro — utilizado quer para as mãos, quer para o banho — como a solução miraculosa para estes problemas. Mas nem tudo correu bem. Especialmente no gel de banho. Se para as mulheres, a adopção foi mais natural, no caso dos homens isso não acontecia com tanta facilidade. As marcas perceberam que havia um problema: apesar de serem as mulheres a comprar o gel de banho, os homens não o usavam. Chegaram à conclusão que havia constrangimentos não explícitos no acto de esfregarem directamente as mãos no seu próprio corpo. Subconscientemente, era algo que lhes afectava a masculinidade. A solução que encontraram foi genial— quase posso apostar que tem na sua casa de banho uma daquelas redes plásticas (conhecido como “puff”), para esfregar o gel de banho no corpo…

Outra das formas mais comuns e eficazes de certificação de uma marca é a pressão social, especialmente entre adolescentes, que procuram o seu lugar no grupo e na sociedade. Entre várias fórmulas, são usadas a validação através de celebridades, figuras e grupos socialmente respeitados. Estes são pagos para representar marcas, que usam em público, o que as valida, e que faz com que as pessoas imitem, na ambição de que através do uso das mesmas marcas sejam mais parecidos, mais próximos da figura ou grupo em causa. Esta estratégia pode ser usada em escalas diferentes e ser usada junto de influenciadores de grupo. Por exemplo através de miúdos que em certos círculos são líderes, e vistos no seu grupo como o modelo a seguir. Para certas marcas, é particularmente mais eficaz, pois cria um efeito de propagação nos públicos-alvo seleccionados, sem ter que se recorrer a meios mais amplos e dispendiosos.

Outra fórmula imensamente usada nos produtos mais inesperados é o sexo. Seja para vender peças de roupa ou automóveis, tudo é possível. Um dos casos mais fascinantes pela sua criatividade e eficácia, como descrito no brilhante livro “BrandWashed” de Lindstorm, foi o do desodorizante Axe. Após vários estudos, foram tipificados os homens e as suas relações com as mulheres. As classificações que criaram nos estudos definiam vários grupos de homens que iam desde o galã até ao geek introvertido. Foram escolhidos os perfis mais susceptíveis para criar a comunicação mais eficaz. Todo a concepção de produto e comunicação foi no sentido de apresentar um desodorizante especial para estes homens. Sim, um desodorizante, como tanto outros, miraculosamente transformado num produto que, em virtude do seu uso, VÁRIAS mulheres cairiam aos pés do seu utilizador. Tudo apelava para reforçar a masculinidade do utilizador: o nome másculo - AXE (“machado” — em inglês ), a comunicação sempre com várias mulheres (os estudos demonstravam que era uma fantasia comum dos homens – ter/relacionar-se com várias mulheres) e, inclusivamente, a forma cilíndrica da embalagem, que funcionava num nível subconsciente, com a sua forma de granada de mão (granada ofensiva, não a típica "pinha" que é uma granada defensiva"). A eficácia foi de tal ordem que havia adolescentes que “se banhavam” em desodorizante, o que chegou a surtir queixas nas escolas, levando a que a marca tivesse que ajustar a comunicação, suavizando-a e sofisticando-a, para evitar a banalização.

Apesar de todas as estratégias, mais ou menos explicitas que nos levam a criar conceitos sobre as marcas, e a deseja-las ou adquiri-las, um dos factores mais eficaz na sua capacidade de influência sobre nós é a validação/recomendação de alguém que nos é próximo, seja família ou amigo. Nesse caso, a probabilidade de optarmos pela recomendação é muito alta. Esta característica foi maravilhosamente exposta e explorada no filme de 2009 - “The Joneses” (em português traduzido para “Uma família com etiqueta”), de Derrick Borte com David Duchovny e Demi Moore. O filme conta a história de uma aparentemente típica família americana que vai morar para um determinado bairro. Acontece que a família tem a missão de influenciar os vizinhos a adquirir certos tipos de produtos. Curiosamente, Martin Lindstorm, influenciado por este filme, pôs em prática uma experiência social, réplica do filme e tratado como um “reality-show” e comprovou a eficácia desta estratégia.

Este artigo sobre branding completa a temática iniciada no artigo anterior — sobre compra por impulso. É um artigo muito sintético que aborda a vasta abrangência das estratégias e mecanismos usados para desenvolver as marcas do ponto de vista das estratégias de Marketing. Para quem se interessar e procurar mais informação, aqui ficam algumas das referências usadas:


Bibliografia / Referências:


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